Angola sempre tem sabido jogar bem a "cartada do petróleo"

Quatro décadas após o 11 de novembro de 1975, o país está confrontado com importantes desafios.
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Passados 40 anos sobre a data da independência, declarada a 11 de novembro de 1975 numa Luanda sitiada pelos movimentos rivais do MPLA (ver textos na página seguinte) e num país que, ainda a potência colonial portuguesa não cedera o poder, vivia uma situação de guerra civil, "o regime angolano está consciente dos perigos de depender de uma matéria prima, petróleo", declarou ao DN o investigador e especialista em questões africanas Fernando Jorge Cardoso.

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Este é um desafio essencial para as próximas décadas que irão assistir, também, à natural transição da liderança política. Um desafio que é necessário resolver quando o preço do barril de petróleo se situa em redor dos 50 dólares e com a Agência Internacional de Energia (AIE) a antever que, só no final de 2020, possa subir aos 80 dólares e aos 85 "por volta de 2040", segundo estimativas divulgadas por aquela entidade.

No caso angolano, nota Jorge Cardoso, quanto mais rapidamente este desafio for encarado, tanto melhor para a economia deste país que produz 1,6 milhões de barris por dia e cujo valor de exportação, nos dados mais recentes da OPEP, é de 57,6 mil milhões de dólares. Mas, com a queda do preço do petróleo, a importância deste em termos das receitas fiscais irá passar de 76%, em 2013, para 36,5% no ano em curso.

"Os planos de diversificação dependem de um elemento muito importante que não é o momento de os criar, é o momento em que começam ou não a dar resultados", afirma o investigador. Mas no caso angolano, não há grandes hipóteses de aceleração do processo. A existência de "um Estado forte do ponto de vista político, da negociação e da segurança", como existe indiscutivelmente em Angola, "não é sinónimo de um Estado forte do ponto de vista da eficiência, da eficácia de execução. E ainda vai demorar algum tempo até se chegar a este patamar". Portanto, ainda que o governo angolano queira diversificar a economia nacional, no curto prazo, não terá grandes condições para o fazer.

O petróleo serviu bem no passado o regime de Luanda e foi, efetivamente, um instrumento eficaz para o reconhecimento internacional do poder político do MPLA, como nota o investigador ouvido pelo DN. "O regime soube bater o pé aos Estados Unidos e a França porque jogou sempre muito bem a cartada do petróleo". O que sucedeu mesmo na segunda metade dos anos 80 quando o governo do MPLA atravessava um momento crítico na guerra civil com a UNITA e este movimento detinha a iniciativa no plano militar. "Naquela época, os angolanos cortaram o acesso da Elf a concessões petrolíferas e levaram a que os franceses passassem a atuar de forma diferente", nota Jorge Cardoso. A materialização da nova política gaulesa revela-se com a visita do então presidente Jacques Chirac a Luanda em 1988.

"O mesmo sucedeu com as americanas Gulf Oil, primeiro, e depois com a Chevron. De tal maneira que houve um determinado momento em que os norte-americanos viraram a agulha e passaram a apoiar o MPLA contra a UNITA", refere o mesmo investigador. Em maio de 1993, Bill Clinton, no seu primeiro mandato, reconhece o governo do MPLA e em setembro os EUA não se opõem à aprovação da Resolução 864 no Conselho de Segurança das Nações Unidas, este documento é importante para enfraquecer a UNITA, que fica impedida de adquirir de forma legal armas e combustível.

A dependência de Angola face ao petróleo explica a viagem do presidente José Eduardo dos Santos à capital chinesa em julho passado. O dirigente angolano tinha vindo a deslocar-se à China a intervalos regulares de dez anos (1988, 1998 e 2008), mas esta recente deslocação antecipa em três a sua quarta presença em Pequim.

"Necessidades de tesouraria"

O que Eduardo dos Santos foi negociar a Pequim foi "uma linha de crédito para cobrir as necessidades de tesouraria do Estado angolano", explica Jorge Cardoso. Angola podia fazer isto "a custo mais baixos com o Banco Mundial, mas teria de aceitar os mecanismos de controlo que o Banco e as instituições de Bretton Woods exigem, que os credores ocidentais exigem e os chineses não pedem". Ora, esses mecanismos de controlo são vistos em Luanda como "ingerência" inadmissível pelo poder político. Este é um dado fundamental para compreender a natureza do regime angolano, a sua "orientação nacionalista" e a "valorização da autonomia do poder pelos círculos dirigentes em Luanda.

Para Jorge Cardoso, "as elites que estão no poder em Angola são elites nacionalistas, não são pessoas vendidas ao capital estrangeiro. Têm interesses próprios criados à volta das riquezas naturais do país e do domínio do Estado angolano. Não temos, como em muitos outros sítios de África, pessoas que respondem a ditames exteriores. No caso angolano é muito difícil descobrir quem é o dono deles... pela razão que não há dono".

Esta é um dos pilares da força e da estabilidade do regime do MPLA, mas uma estabilidade que pode começar a corroer-se se a transição da geração na liderança não for conduzida de forma adequada. "Aquilo que melhor servirá Angola é o regime abrir-se um pouco mais"e abandonar os "tiques autoritários", defende o investigador ao DN.

A questão é como o irá fazer. O regime do MPLA "assegurou o controlo de todas as peças fundamentais do Estado. Até hoje, mesmo com a introdução da experiência democrática a partir de 2002, o facto é que o regime permanece autoritário, que tem sob controlo a totalidade dos elementos fundamentais do Estado, das forças armadas, da polícia, dos principais instrumentos políticos e económicos" do país, detalha Jorge Cardoso. Num país em que "se assiste ao alargamento da classe média, na ordem das centenas de milhares de pessoas", o pluralismo real e efetivo terá, mais tarde ou mais cedo, de fazer o seu caminho, o "que será positivo para Angola", afirma o investigador.

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